sábado, 17 de setembro de 2011

Alaélis da Silva

No momento, a dúvida é sobre o título que darei a esse texto. Confesso que dar o título a ele está sendo bem mais difícil do que escrevê-lo. Ele, praticamente, já está todo na minha mente, só falta passá-lo para o papel virtual.

Tratá-se de um assunto bastante sensível a mim. Sabia que esse fato um dia iria acontecer. Afinal, estamos todos sujeitos a essa circunstância da vida. Sem falar que é a única certeza absoluta dessa nossa jornada por esse plano. E a única coisa que se pode fazer é antecipá-la. Evitá-la, jamais.

Já deu para perceber que estou me referindo à morte. Apesar de todos os esforços da medicina para retardá-la, ainda não se conseguiu uma fórmula para uma eternidade aqui nesse corpo. Esse é o ciclo da vida: nascer, viver e depois morrer. Não tem escapatória: viemos do pó e a ele retornaremos.

Todo mundo tem medo da morte. Esse é um outro fato absoluto. Eu já não tenho medo da morte; eu tenho é medo de agonizar antes de ela se abrir feito uma flor dentro da minha alma. Disso eu tenho medo. Penso que a minha passagem por esse mundo não está sendo nada satisfatória. Não tenho perspectiva nenhuma. O meu único consolo é saber que poderia ser muito pior, e não está sendo. Então para mim, tanto faz. Se eu for agora, não vai me fazer diferença. E apesar de no final da infância, e até um pouco no início da juventude, eu ter tido ótimos momentos por essa caminhada, eu nunca vislumbrei um futuro. Depois, o que veio foi um grande hiato, um verdadeiro círculo.

Essa semana um acontecimento muito triste nos pegou de surpresa. Faleceu um vizinho meu. Por isso, a dúvida sobre o título do texto. Enquanto vou escrevendo essas linhas, vou pensando qual vai ser o título do texto. Talvez verse por alguma filosofia, pois Silva, como era conhecido aqui na rua, adorava filosofar. A gente conversava muito sobre a morte. Dentro de sua inocência, o Silva se divertia com o assunto. Conversávamos com a maior naturalidade possível. “Fulano de tal completou a passagem", "Estamos de passagem", "Do pó viemos, ao pó tornaremos", "Nossos pertences ficarão para terceiros”, e assim divagávamos sobre a morte.

Seu Silva era um sujeito caricato: careca, barrigudo e com a inconfundível ginga do malandro carioca. Dizia que para viver, bastava saber pisar na bola.
Todo dia, no início da tarde, colocava sua cadeira na minha calçada, para ver o movimento da vida que corre sem destino. Quando passava uma menininha, dizia: “Vou falar para o seu pai que você não quer falar comigo”.

Seu Silva também tinha uma vasta ficha criminal: andava pelado em seu quintal, urinava no jardim, juntava lixo na calçada dos outros... Volta e meia, aparecia um vizinho reclamando.
Cheguei a testemunhar algumas sonoras broncas. Certa vez, a vizinha que mora ao lado de sua casa, o acusou de jogar lixo em seu quintal. A situação ficou tensa, pois a moça, indignada, cada vez se alterava mais, diante de um Silva assustado. No auge da discussão acalorada, um barulho estranho foi ouvido. Para surpresa de todos, foi descoberto que quem estava jogando o lixo, era o morador da rua detrás. Ufa! Dessa, o Silva escapou.

O primeiro ser humano do dia que eu cumprimentava era o Silva. Adorava ficar do seu lado, falando um monte de bobagem. Eu perguntava um palpite sobre o jogo de futebol: “Flamengo ou Botafogo? Quem ganha?" E ele me respondia de uma forma toda filosófica, dizendo que futebol não tem lógica. E quando dava uma opção, de pronto, eu retrucava: “O senhor é profeta? Como pode adivinhar quem vai vencer?” E ele ficava todo sem graça.

O Silva vai fazer falta. Ainda não estou acreditando que ele partiu. Sei que de uma ora para outra, eu vou sentir a sua ausência. Em outro texto, já havia dito que foi ele quem me levou à praia pela primeira vez. Só tenho a agradecer. E como homenagem final, darei o nome do texto de Alaélis da Silva, que era o seu nome verdadeiro. Valeu, Silva! Descansa em paz.



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